Carreira em Medicina: como Janine Lôbo transformou sua carreira

Carreira em Medicina: como Janine Lôbo transformou sua carreira

Sou acadêmica do 12° período de Medicina na Universidade Federal do Piauí e desde o Ensino Médio tinha o desejo de estudar no exterior e de ter um contato íntimo com uma outra cultura. Ao longo de minha graduação de Medicina, tive a oportunidade de vivenciar duas experiências acadêmicas internacionais totalmente diferentes, que abriram minha mente como estudante e como ser humano.

Ainda no ciclo básico, por meio do Ciências sem Fronteiras, programa de intercâmbios do Governo Federal, estudei durante um ano na University of Toronto, uma das melhores universidades do Canadá e do mundo. Dos 80 alunos que foram selecionados no mesmo edital que eu, eu era a única piauiense. Foram 8 meses cursando disciplinas que não existiam em minha grade curricular no Brasil, a exemplo de Fisiologia do Sono, seguidos de 4 meses trabalhando em um laboratório de ciências básicas, o CRND – Centre for Reasearch in Neurodegenerative Diseases – focado na descoberta de um medicamento para cura da Doença de Alzheimer.

Como foi o intercâmbio

O intercâmbio foi uma experiência incrível. Além dos ganhos pessoais, que envolveram a fluência em uma segunda língua, o amadurecimento de se morar sozinha pela primeira vez aos 20 anos e de entrar em contato com diversas culturas de uma só vez, já que Toronto é a cidade mais multicultural do mundo, pude conhecer de perto um outro sistema educacional. Saí de uma realidade na qual passava a maior parte dos dias dentro da universidade, assistindo a aulas meramente expositivas, muitas vezes com duração superior a 2 horas e uma avaliação escrita praticamente a cada semana, para um mundo completamente diferente.

Com pesquisadores do CRND – University of Toronto

Cada disciplina na nova universidade contava com aulas de apenas 50 minutos, aulas essas que na verdade consistiam em verdadeiras discussões de um tema previamente estabelecido, muitas vezes artigos publicados em revistas de alto impacto, escritos pelos próprios professores das disciplinas. Todos os professores eram pesquisadores e diziam em alto e bom som que essa era sua verdadeira função e que ser professor era algo extra. Todas as aulas eram gravadas pelos alunos e todo o material didático, incluindo slides, eram fornecidos pelos próprios professores. As provas somente aconteciam ao final de cada semestre e suas perguntas nos faziam raciocinar e não apenas memorizar o conteúdo. As várias bibliotecas funcionavam literalmente durante as 24 horas do dia no período de provas. Semanalmente eu tinha a oportunidade de assistir a palestras ministradas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, bem como de professores renomados de outras instituições.

Havia também um incentivo a agregação dos alunos nos diversos clubes que existem da universidade, como o clube de alunos internacionais e o clube de saúde global, através do qual pude participar de trabalhos voluntários em uma igreja da cidade. Durante os meses de pesquisa, percebi o alto investimento do país no setor. Laboratórios equipados, pesquisas patrocinadas por empresas multinacionais, uma política séria de proteção aos animais. Além disso, pude perceber o quanto a burocracia atrasa nossas vidas no Brasil. Tudo na Universidade de Toronto era muito simples, muito prático, sem exigências de mil e um carimbos. Foi um ano gratificante, que me ensinou que o que determina que uma universidade alcance posições superiores em rankings mundiais não é a qualidade superior de profissionais e acadêmicos, pois isso no Piauí nós temos, mas sim investimento e infraestrutura.

Laboratório do CRND – University of Toronto

Um passo à frente!

Passados 4 anos desde essa experiência no Canadá, já durante o Internato do curso, fui selecionada para um estágio clínico de 2 meses na University of Miami Miller School of Medicine, nos Estados Unidos – 1 mês no serviço de Clínica Médica e outro da divisão de AVC. Foram 2 meses igualmente incríveis, mas bem diferentes daquele outro ano de intercâmbio. Havia vários intercambistas brasileiros participando do mesmo programa que eu, mas novamente eu era a única piauiense.

Atuando como uma interna, percebi que o raciocínio é bem mais exigido do aluno que sua força de trabalho. Os acadêmicos não precisavam cumprir plantões noturnos ou diurnos, mas durante o dia a rotina era árdua. Eu passava cerca de 12 horas diárias no interior do hospital, participando de atividades diversas, tanto teóricas, a exemplo de palestras com professores renomados de outras instituições, discussão de casos clínicos e quizzes, como as atividades práticas do hospital, que incluíam corridas de leito, admissão de pacientes e ambulatório. Ao evoluir os pacientes, o principal não era apenas passar o caso com os residentes, mas refletir, construir um raciocínio clínico. As condutas eram definidas por problemas e os residentes tentavam extrair de nós o que deveria ser feito e os motivos que nos levavam a pensar daquela forma, o que foi um desafio para mim, principalmente no estágio de AVC. Nesse momento, foi importantíssima a realização do Curso de AVC, disponível na plataforma online de cursos, o BestMed, que me proporcionou um embasamento teórico para conseguir acompanhar o ritmo dos outros internos no hospital. Durante as visitas clínicas, geralmente realizadas pela equipe médica em conjunto com profissionais da Farmácia, Enfermagem e Serviço Social, residentes e internos sempre que possível faziam observações teóricas sobre os casos dos seus pacientes, os chamados “teaching points”, bastante valorizados pelos preceptores na hora de escrever as cartas de recomendação.

O estágio me fez valorizar o trabalho bem feito de uma equipe multidisciplinar que atua da forma mais eficiente possível. Além disso, eu tive a oportunidade de realmente apenas aprender durante dois meses. Pois como muitos sabem, em alguns hospitais no nosso estado, os internos acabam usando muito do seu tempo para realizar tarefas não tão relacionadas ao aprendizado, como xerocar exames, resgatar prontuários nos arquivos dos hospitais, preencher uma série de papéis à mão ou mesmo imprimir uma série de papéis, para levar para um residente carimbar e então anexar ao prontuário físico dos pacientes… Eu aprendi a importância de um sistema verdadeiramente informatizado e não apenas digitalizado. E, acima de tudo, esses dois meses me fizeram valorizar os profissionais que temos no nosso estado, que dão o seu melhor todos os dias, mesmo quando as condições de trabalho não são as melhores.

Jackson Memorial Hospital – Univerity of Miami Miller School of Medicine

O aprendizado

Durante os dois intercâmbios, eu percebi que o nosso meio acadêmico no Piauí deveria ser mais incentivado com políticas de internacionalização acadêmica, já presentes em muitas outras universidades do país. Pois muitos dos nossos acadêmicos desejam ter essas mesmas experiências que eu tive, mas ou não têm informação de como proceder, ou acabam desistindo perante as dificuldades burocráticas que nossas instituições nos impõem.

Por fim, das duas experiências que tive, as maiores lições que aprendi foram: manter a mente aberta ao que é diferente do que estamos acostumados, para então filtrarmos aquilo que pode acrescentar de verdade à nossa realidade, e sempre aproveitar as oportunidades que a vida nos traz. Eu sempre digo que um intercâmbio de verdade não pode ser contado, apenas vivido. Nem sempre vai ser fácil, mas com certeza não serão meses ou um ano perdidos da sua vida. Na verdade, serão os melhores meses ou o melhor ano da sua vida.

 

Janine Lôbo Lopes
Acadêmica de Medicina
Universidade Federal do Piauí

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *