Vida de acadêmico de medicina. Dilemas, dúvidas e constatações

Vida de acadêmico de medicina. Dilemas, dúvidas e constatações

Apesar de fazerem exatos 20 anos que entrei na faculdade de medicina, o tempo não apagou da memória algumas das angústias que tive e resolvi compartilhar com você. A primeira delas foi descobrir que a entrada na faculdade não “resolvia” a minha vida: apenas me colocava diante de uma questão muito mais séria e complexa que as encaradas anteriormente, com um final marcado para dali a 6 anos.

Rapidamente descobri que a propagada imagem de liberdade do estudante universitário contrastava cruelmente com a real necessidade – quase imposição – de muito esforço e horas de dedicação do acadêmico de medicina. A deliciosa sensação de que “estou resolvido na vida” durou até o primeiro dia de aula.

Decepções e pré-julgamentos

Como escrevi em outro artigo, a mudança de paradigmas é brutal – especialmente para quem entra em faculdade pública. Isso resultou no meu primeiro dilema: pensei seriamente em abandonar a faculdade ainda no primeiro período, quando me senti obrigado a emburrecer. Foi quando tive o primeiro contato com Anatomia Humana: aulas maçantes – muitas ministradas como há 40 anos –, raríssimas correlações com o cotidiano e as cobranças mais descabidas e inimagináveis, desconexas da realidade e sem a menor utilidade. Para quem se preparou para os vestibulares mais concorridos do país, sucumbir à decoreba foi uma sensação desoladora…

Tão estimulante quanto isso, foi cursar disciplinas totalmente inúteis – especialmente com o viés com que foram ministradas – para o cotidiano e a boa prática da medicina. Para que nos serviriam aulas de Sociologia, especialmente quando ministradas por um professor sem a mínima qualificação e cuja única atividade era vomitar jargões marxistas? Entre risos e reclamações, lá estávamos, perdendo tempo precioso, que poderia economizar algumas noites insones.

O tempo passava e um padrão começava a se estabelecer: muitas disciplinas permaneciam desconexas da realidade prática, tanto em termos médicos quanto mercadológicos. E isso culminou na conclusão tardia de que desperdiçamos muito tempo e energia com informações que pouco contribuem e em nada diferenciam nossa vida profissional. Infelizmente – insisto eu –, as avaliações permaneciam centradas nessas informações, talvez porque os ministrantes permaneciam lecionando nos mesmos moldes em que estudaram décadas antes.

Quanto mais se aproximava do momento em que seríamos defrontados com a realidade – aquela dos hospitais ou das provas de Residência – maior ficava nosso dilema: estudar para as provas da faculdade, para a vida prática ou para as provas da Residência? E mais: por onde estudar?

Dilemas da residência

Falando de Residência Médica, dois outros dilemas se impõem.

  1. Em momento algum ao longo de nossa graduação, faz-se uma análise sistematizada da atualidade do mercado e das projeções futuras. Temos que fazer isso sozinhos, baseados no que acessamos e percebemos, sendo imaturos, inexperientes e com o que nos resta de energia e tempo. O que captamos de quem está na ativa são informações enviesadas, carregadas de subjetividade, frustrações e – muitas vezes – reserva de mercado. Ninguém fala de empreendedorismo, não há nenhum estímulo à criatividade e inovação (muitas vezes são até “mal-vistos”), os exemplos são sempre os do passado ou, no máximo, da atualidade – como se dentro de alguns anos a realidade a encarar fosse a mesma atual. Pela velocidade com cresce anualmente o número de médicos e pelo dinamismo da tecnologia dentro da saúde, tenham certeza: os acadêmicos de hoje não viverão como os médicos de hoje.
  2. Sendo a velocidade de crescimento das vagas de Residência muito menor que a velocidade de crescimento da população de médicos interessados, o resultado óbvio dessa subtração é um número estável de aprovações e um número crescente de reprovações. Daí surge o segundo dilema: continuar estudando ou encarar o mercado de trabalho ? Ou ainda, tentar fazer as duas coisas? A primeira consideração que faço é de ordem biológica; o estudo para a Residência e a própria Residência Médica costumam exigir muito do ponto de vista físico. A carga horária é extenuante, as responsabilidades são gigantescas e – não raro – precisamos complementar a renda em atividades extra-residência, porque a bolsa é ridiculamente baixa. Na prática, trocamos tempo, dedicação e energia por aprendizado técnico e compartilhamento de experiências dos preceptores. Por isso, os limites biológicos se impõem. A outra consideração é de ordem psicológica; ao optar pelo trabalho imediato após a formatura (exclusividade dos médicos, ainda que com valorização em queda), muda-se o paradigma de vida, e a tendência é acomodar-se nas brechas que o mercado oferece, para onde escoarão boa parte do tempo e da energia. Os dois caminhos são válidos, e não há absolutamente nada de errado com qualquer das opções, desde que não se opte pelo fácil caminho da mediocridade. Caso     seja seu objetivo entrar na Residência, mantenha o foco e não sucumba ao ilusório conforto imediato e – caso seja emprego público (PSF e afins), prepare-se para alguns calotes…

Lições aprendidas

A partir dessas considerações, enumero algumas dúvidas de acadêmico que deram lugar a certezas de profissional 20 anos depois, sobre as quais discorrerei no próximo artigo:

  • Focar em preparar-se ao máximo
  • Inspirar-se nos exemplos e observar os contra-exemplos
  • Identificar deficiências: as que podem ser sanadas e as que não podem
  • Ter coragem e uma dose considerável de ousadia
  • Considerar sempre a velocidade de evolução da tecnologia
  • Construir relacionamentos alicerçados na competência e credibilidade
  • Habituar-se a ouvir, falar e estudar em Inglês
  • Estar sempre preparado para mudanças. Elas serão constantes e não mandam aviso.
  • Evitar erros comuns e já “catalogados”.

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