Muitos profissionais da saúde ainda ativos se formaram com o paradigma de que a Neuro é para o Neuro; acreditaram poder ignorar os conhecimentos neurológicos como se a realidade permitisse esse distanciamento. A grade curricular de muitos dos nossos cursos da saúde ainda insiste em subestimar esse conteúdo, ainda que os sinais de sua necessidade estejam cada vez mais escancarados.
Os Números
Não bastassem as estatísticas que demonstram já ser a Doença Cérebro-Vascular a principal causa de morte no mundo, a experiência ratifica que, em toda parte, não há um plantão de pronto-atendimento em que não chegue um caso neurológico que precise de reconhecimento e conduta imediatos.
Recente pesquisa atestou que mais de 80% da estrutura hospitalar brasileira não está adequada para o tratamento do Acidente Vascular Cerebral. Das 178.000 vítimas em 2016, cerca de 100.000 faleceram, estatística que não mudará sem a decisão e esforço individual e coletivo de aprender Neuro.
Pelo menos 40% dos leitos de UTIs contêm pacientes com algum comprometimento neurológico. O envelhecimento da população associado à disponibilidade crescente do diagnóstico por imagem fará crescer esse número.
Conforme crescem as cidades, multiplicam-se os veículos automotores e, com eles, os traumatismos em geral, os TCEs (Traumatismos Crânio-Encefálicos) e TRMs (Traumatismos Raqui-Medulares) em número e gravidade. O diagnóstico das lesões, as condutas iniciais e a prevenção de danos secundários têm que constar como conhecimento elementar e não mais opcional a todos os profissionais da saúde, especialmente médicos e enfermeiros.
A realidade é que o conhecimento neurológico – que foi elemento diferenciador de estudantes e profissionais – torna-se, a cada dia, mais fundamental e prescindir dele significará, em muito breve, posicionar-se abaixo da média.
Os Dois Pilotos
O que a mídia noticia é a mesma realidade que atinge igual e diariamente os anônimos.
Repercutiu internacionalmente o acidente ocorrido com Felipe Massa, em julho de 2009, quando uma mola que se soltara de outro carro atingiu sua cabeça, perfurando o capacete, lesando o supercílio e provocando uma Concussão Cerebral. O piloto teve perda imediata da consciência, recuperando-a pouco tempo depois e os exames mostraram não ter ocorrido dano cerebral significativo.
Mais destaque teve o acidente de Michael Schumacher, que se acidentou enquanto esquiava em 2013. O grave trauma craniano determinou Hematoma Subdural – que foi rapidamente operado – e Lesão Axonal Difusa, o grande determinante da irreversibilidade do quadro, apesar de todos os esforços e recursos disponíveis.
Casos como esses lotam os hospitais do mundo inteiro e só o conhecimento dos profissionais pode reduzir as lesões, elevar a sobrevida e melhorar o prognóstico desses pacientes. Não se pode cuidar daquilo que não se conhece.
Saber ou Não Saber? Eis a Questão
Esses são exemplos dos extremos do mesmo contínuo patológico e se repetem diariamente; ignorá-los não é mais uma opção acadêmica: beira a irresponsabilidade profissional.
O Trauma Craniano é a principal causa de morte e sequela em pacientes jovens e todos temos que compreender os danos primários e agir na prevenção dos danos secundários.
Até que as grades curriculares sejam ajustadas e que a mentalidade de docentes e alunos (esses, principalmente) seja modificada, essa realidade já terá filtrado muita gente, excluindo muitos e selecionando poucos para a vida real.